Praia Brava, A conquista do paraíso
Em Janeiro de 2003, no litoral norte de São Paulo

Relato : Anderson Cunha
Fotos : Eda Carvalho

A trilha da Praia Brava fica em Boissucanga, litoral norte de São Paulo, e sua entrada se localiza no inicio da serra em direção a Maresias. O inicio da trilha é marcado por algumas casas, onde normalmente se vê estacionados Lands, Bands, e diversos veículos offroad que desistem de percorrer a trilha logo na primeira subida.  

  
Mapa de localização geral. Porém a trilha existente atualmente não segue para a direita, 
em direção a Maresias, como mostrado no mapa.


Logo no inicio, temos uma seqüência de erosões numa rampa muito inclinada, quase impossível de se vencer em caso de chuva. Como existem muitas pedras soltas, e o barro forma um musgo verde permanente, quanto mais pesado o carro, mais difícil fica subi-la. Existem poucas árvores resistentes para uma ancoragem segura.  


Logo no inicio, uma seqüência de erosões dificulta a subida. 
O trecho
tem 150 metros e assusta logo de cara. A maioria não se arrisca..


Pela falta de aderência, principalmente com o piso molhado, é altamente recomendável 
ter bloqueio de diferencial traseiro para evitar problemas na subida.


Simon passa pelas pedras... trabalhamos quase 1 hora preparando o terreno...


Choveu a semana inteira, mas naquele dia tivemos uma trégua...

Nosso planejamento começou 3 meses antes, e tivemos duas tentativas mal sucedidas de fazer essa trilha, sendo a primeira interrompida pela queda de uma árvore respeitavelmente grande em cima do Engesa que nos acompanhava, e na segunda tentativa (num domingo) a chuva nos impediu de concluir a trilha em um dia apenas.


Primeira tentativa de vencer a trilha. Observe o Engesa com parabrisa 
quebrado e capô amassado, em decorrência da queda da arvore onde 
ancoramos o guincho.

Tivemos sorte nesse dia. O céu ensolarado nos deu a confiança necessária de que dessa vez a Praia Brava seria nossa. Para garantir a segurança e aproveitar melhor a aventura, estávamos preparados para acampar na praia, que é totalmente selvagem e desabitada, pois seu único acesso é essa trilha quase instransponível.

Vencemos a primeira subida com tranqüilidade, sem precisar utilizar os guinchos. Porém, ao ver o trabalho da suspensão e dos pneus tracionando no musgo verde das erosões, pudemos perceber o quanto os bloqueios de diferencial em ambos os jipes contribuíram para a subida, aliada ao baixo peso dos suzukis.
 


Vejam acima essa pedra... ao resvalar nela, o ShaZam perdeu o rumo e quis subir o barranco 
à esquerda... nada que uma ré não resolva... abaixo, o Simonrai
trabalha firme na tração...

Para chegar ao topo do morro, passamos também por um trecho de pedras pontiagudas que precisam ser abordadas com cautela, evitando choques com as partes baixas do veiculo. Novamente, bloqueios auxiliam na abordagem segura, e os pneus com baixa calibragem agarram nas pedras, colocando os jipes cada vez mais acima do morro.

Lá em cima, deparamos com mais uma dificuldade : uma arvore caída no meio da trilha. Concluímos que a única alternativa seria corta-la antes de remove-la, pois a arvore tinha pelo menos 10 metros adentro da mata. Após várias bolhas na mão, conseguimos quebrar o restante da arvore com o guincho, patescando na arvore à frente para remove-la do caminho. Um trabalho conjunto de força bruta e raciocínio. Mais à frente, outra arvore que porém pôde ser removida com todos empurrando.

 
Primeiro obstáculo. Vamos ter que cortar, pois os 20m restantes da arvore está presa no 
meio da mata à direita...


Faltando pouco para terminar de cortar a arvore. Depois, usamos o guincho para 
remove-la do caminho e prosseguir a aventura.

Em seguida, começava o trecho verdadeiramente difícil. Trava-se de uma valeta em "V" com 50 metros de distancia, em alto declive. Em ocasião anterior, esta descida nos fez desistir num dia de chuva, em virtude da altíssima probabilidade de tombamento e conseqüente impossibilidade total de resgate.  


Eda tenta descer a trilha a pé, mas é difícil.. imagina de jipe ?

Mas num dia seco, recuperamos nossa confiança e iniciamos a descida, com o Simonrai ancorado no ShaZam, que por sua vez ficou ancorado na maior arvore que encontramos. Desce um palmo, solta o guincho, esterça pra cá, pra lá, vai, vem, vamos descendo com toda a cautela do mundo.


Acima, o Simonrai aguarda a preparação da ancoragem de segurança, que foi feita com o 
ShaZam amarrado em uma arvore e o guincho
dando segurança para o Simonrai não rolar 
barranco abaixo
 

Entre um passo e outro, aproveitamos para passar em baixo do Simonrai só para brincar de túnel. Os pneus ficavam apoiados nas paredes do "V" apenas pelas beiradas, levando ao extremo sua resistência e aderência.


Repare que apenas a beirada dos pneus apóiam no barranco... o túnel formado embaixo 
quase cabe um adulto.

  Logo o Simonrai estaria no final da valeta, e chega a vez de descer o ShaZam, só que agora sem a segurança do guincho de apoio. "Vai ter que ser na raça" penso eu. Vamos com calma, e com a orientação do Simon chegamos emocionados ao final da valeta em "V", que agora é "V" de Vitória. Observamos a valeta, e nos indagamos como vamos fazer para subi-la... não vai ser fácil.


Mesmo quando a valeta em "V" termina, ainda temos dificuldade para sair dela. Abaixo o 
ShaZam passa com emoção, pois não há mais ancoragem de segurança...

Alguns surfistas cruzam a trilha a pé, e o Simon brinca "Puxa, ainda tem louco que vem nessa trilha a pé ?"... observando os carros quase tombados na valeta, os surfistas acham graça da piada e perguntam incrédulos "Vocês vão até a praia ????"

Continuamos a trilha, agora mais confiantes pela conquista da temida valeta em "V", porém ainda mais cautelosos para atingir nosso objetivo em segurança.

Continuamos em frente, passando por uma valeta transversal e mais algumas erosões, que já não assustam tanto depois do sufoco inicial. Chegamos ao segundo mirante da trilha, onde podemos observar a magnífica Praia Brava onde os surfistas disputam as suas ferozes e belas ondas.

Logo adiante, uma erosão nos obriga a passar muito próximos ao barranco, que deve ter uns 60 metros de altura. É necessário descer do carro o tempo todo e auxiliar o outro a percorrer o caminho mais seguro, pois a diferença entre o caminho e o despenhadeiro é de apenas 1 palmo, as vezes nem isso. A trilha se estreita ainda mais nessa parte, e nos resta menos de 1 palmo de cada lado para o carro não tombar no barranco ou na erosão. Este trecho é o mais perigoso da trilha, pois em caso de chuva, um erro pode custar um grande acidente rolando barranco abaixo. É necessário atenção redobrada.


O mato à esquerda esconde o abismo... onde começa o mato, há menos de 1 palmo de chão 
para apoiar o carro...

Uma nova valeta em transversal ainda maior que a anterior nos obriga a uma passagem em câmera lenta, analisando atentamente a inclinação dos carros. Os bloqueios trabalham novamente quando duas rodas ficam no ar, fazendo a famosa "gangorra". A articulação da suspensão é total.

Em breve, iniciamos o trecho final de descida à praia. Uma seqüência de erosões descendo, também muito lisas e ainda úmidas pela ultima chuva. Procuramos apoiar os pneus nos facões existentes, evitando que os carros fiquem atravessados no meio da descida, o que poderia custar uma quebra ou tombamento desnecessário. Vamos descendo, e o Simon tem que abaixar a cabeça para olhar para frente, tamanha é a inclinação de ataque do Samurai... algumas pedras ameaçam as partes baixas dos carros, e novamente a orientação externa é necessária.

Logo em seguida, mais um obstáculo. A erosão serpenteia pela descida íngreme, e temos que atravessa-la em dois pontos opostos. No primeiro, não há muito problema, mas no segundo, o jipe tende a sair de traseira, o que colocaria o carro de lado arriscando um tombamento. Calçamos com algumas pedras e conseguimos vencer o obstáculo, no limite da tração dos bloqueios para colocar os carros em segurança do outro lado da erosão. O susto é grande. Calçamos com mais pedras para a passagem do ShaZam.


Uma mãozinha para não escorregar no facão, o que seria fatal... abaixo, o ShaZam toma 
coragem para entrar na vala, que vista de
perto mostra sua dificuldade...

 

Chegamos ao ultimo obstáculo, um trecho de pedras pontiagudas, que é facilmente vencido após a experiência adquirida nos obstáculos anteriores.

Mais alguns passos e... CHEGAMOS ! Vamos à sonhada "volta olímpica" nas areias intocadas da praia, e os surfistas nos observam como se estivessem vendo alienígenas pousando em discos voadores. É quase isso. Nos sentimos como Cristóvão Colombo ao chegar em São Salvador em 1942.


CHEGAMOS ! Foram 6 horas de muita tensão e adrenalina... o sol brilha e o céu azul nos 
recebe com alegria na tão sonhada Praia Brava !

Decidimos acampar na praia, pois estamos exaustos e não há tempo de percorrer o caminho de volta com a segurança da luz do dia. Nosso camping é regado a vinho branco, que acompanhou um delicioso strogonoff preparado em alguns minutos pela Eda. Coisas de camping selvagem moderno.

Acordamos logo cedo, e preparamos os equipamentos para o retorno. O tempo continua firme, e logo o sol brilha sobre nós, iluminando a trilha em meio à mata fechada. Nos despedimos com tristeza da praia brava e suas areias cristalinas, e obviamente levamos todo o lixo que criamos, mais o que encontramos no local do camping...

Vencemos as pedras pontiagudas, já cientes do caminho ideal, e paramos para analisar a erosão serpenteando à nossa frente. Definido o caminho ideal, agora o ShaZam vai na frente e logo ultrapassa a erosão, graças à eficiente tração proporcionada pelos pneus Blackstar Guyanne e os bloqueios de diferencial. O Simonrai segue o mesmo caminho, mas se enrosca ao finalizar a erosão. Nada que uma ré não resolva, colocando-o novamente no caminho ideal.


Resolvi seguir pela erosão, o que parecia mais seguro no momento em virtude da inclinação... 
Abaixo, o Simon enrosca de leve, e segue outro caminho
para subir...

 

Em seguida, mais uma erosão em transversal, onde peço ajuda do Simon para cruzar sem risco, pois eu particularmente não tenho muito estômago para o efeito gangorra deste tipo de obstáculo. Passamos sem problemas e nos preparamos para a parte estreita da trilha.

Como o sol queimando forte sobre nós, ficou ainda mais fácil direcionar os Suzukis pelo estreito caminho à nossa frente. Tenho que entrar na erosão em um determinado trecho, e para sair até que foi fácil, pois as duas rodas traseiras tracionam simultaneamente. Todo cuidado é pouco pois o barranco de 60 metros nos espreita de perto. Fico imaginando este trecho com chuva, pois deve ficar muito liso e altamente arriscado.

Chegamos à valeta em "V", e paramos para analisar a melhor abordagem. Minha decisão é colocar o ShaZam dentro do "V" desde o inicio, que é uma curva fechada, e tentar fazer a curva dentro do "V". Começo bem, mas logo a roda dianteira cai dentro do "V" e o inclinômetro crava imóvel nos 40 graus, indicando que estou mais inclinado do que isso. Uma pequena ré melhora a situação mas não resolve o problema, e fico entalado na curva, apoiado nas paredes do "V" e com uma inclinação ainda não experimentada pelo ShaZam. O jeito é tirar no guincho !  

Acima... cadê o pneu direito do ShaZam ???? Abaixo... achou !

 

 Escolhemos cuidadosamente a arvore no topo do morro para nossa ancoragem, e colocamos pelo menos 4 cintas para completar o cabo do guincho que não alcança até lá. No meio do caminho, apenas arbustos e mato seco. Todo cuidado é pouco pois se uma das cintas arrebenta, o efeito estilingue causará sérios estragos.

Ao tracionar o guincho, percebo que a roda dianteira que está dentro do "V" se espreme contra a parede. O pneu se deforma, e ela vem toda para trás, e o chassis reclama : créc, créc, créc...

Observem a torção do amortecedor traseiro... ai meus retentores !

 

Resolvo soltar o guincho e tentar alinhar a roda com a parede, e novamente puxar no guincho... melhorou ! Logo estou no topo do barranco, percorrendo a erosão em "V" com 1/2 pneu em cada parede, hora usando a tração, hora usando o guincho, um Work 1200 capaz de partir o Vitara no meio.

Agora é a vez do Simon, que decide experimentar uma abordagem diferente para a curva inicial do "V". Porém, essa abordagem demonstra ser deveras emocionante, como pode-se observar nesta foto onde o Simonrai só não tombou porque eu estava a postos para segura-lo.

Depois de uma pequena ré para o meu alivio (e do jipe), tentamos novamente com o guincho, porém com o mesmo resultado. Decidimos retroceder e utilizar a mesma abordagem do Shazam.

Com a nova abordagem, o Simonrai entra no facão e faz a curva. Colocamos o guincho em ação, agora um Work 9000 que vai trazendo o carro trilha acima.

Após uma rápida parada para acomodar o cabo, ao reiniciar o Simonrai coloca a roda traseira no fundo do "V", assustando a todos pela altura que a frente do carro ficou.

Parece que vai capotar para trás. Ao tentar a recuperação, percebemos que o Samurai apagou. OPS ! Medimos a bateria, que parece ok, e verificamos os cabos e fusíveis. Nada encontramos.


Acima, Simonrai mostra tudo ! Abaixo, pose para a foto...
 

Decidimos ancorar o ShaZam e trazer o Simonrai com o guincho, porém o cabo não alcança e precisamos usar uma cinta intermediaria, que mais adiante precisaria ser removida, colocando o Simonrai novamente em posição "desconfortável".

Com os dois Suzukis no topo do morro, agora podemos analisar o problema do Simonrai, que logo é encontrado : um dos fios da caixa de fusível torrou. Substituído o fio, tudo volta a funcionar e seguimos adiante, já bem próximos de finalizar nossa façanha.


Acima, reparo rápido na parte elétrica e logo estamos andando novamente...

Abaixo, quase chegando...  

Passamos pela arvore cortada no dia anterior, e descemos as pedras e as erosões sem descer do carro, pois agora já conhecemos o caminho. Utilizamos os facões para direcionar os carros morro abaixo com segurança, e logo atingimos o asfalto da Rio Santos.

UFA ! Chegamos ! Nada como um descanso na piscina da Pousada (http://www.aguadecoco.tk/) para refrescar e premiar nossa conquista.

Abraços, 
...agora graduados no Camel e pós graduados na Praia Brava... 

Anderson Cunha, Eda e Isabela (8 anos) 
Simon e Luciana