Buraco do Camel
Em Outubro de 2002, Caucaia do Alto - SP

Relato : Anderson Cunha
Fotos : Eda Cunha

A trilha do Buraco do Camel fica na região de Caucaia do Alto, entre as rodovias BR116 Regis Bittencourt e a Raposo Tavares, e ela é apenas uma parte dos quase 100km conhecidos como "Trilha do Verde", que circunda a reserva do Morro Grande, região de densa mata atlântica.

Em 1985 a dupla brasileira que participou do famoso Camel Trophy, recebeu o até então desconhecido Land Rover e vieram testar aqui o novo Jeep. A trilha apresenta atoleiros de alto nível de dificuldade, e seria uma ótima opção para aquela ocasião, mas a dupla não imaginava de que se tratava do “bravo” Verde e atolaram mesmo. Quem sabe isso tinha ajudado na vitória da dupla naquele ano em Borneo, onde receberam o mais cobiçado prêmio do "Team Spirit Award".

Nós fizemos a trilha no sentido BR116 para a Raposo, ou seja, descendo o famoso paredão. Logo no inicio, temos uma sequencia de atoleiros bem dificil. Para nossa sorte, esta parte da trilha estava seca, então foi fácil escolher visualmente o caminho mais fácil e puxar os carros no guincho. Imagino que após vários dias de chuva este trecho fica totalmente alagado, e o risco de escolher o pior caminho é muito grande !

A patroa foi tocando o ShaZam e eu fui fazendo o apoio no guincho. Fizemos pelo menos 3 pontos de ancoragem neste trecho, e todos os jipes foram passando e trocando de ancoragem a cada trecho. A patroa mandou o sapato no acelerador e ajudou bastante !

O caminho escolhido tinha um facão bem grande no centro, e os Vitaras prendiam no fundo, imobilizando o carro. Mesmo com bloqueio Lockright, o ShaZam não conseguia seguir adiante. Na foto acima, o Vitara Tantor é puxado pelo guincho... vejam a marca do diferencial no facão... ao fundo, a galera já prepara o guincho do CJ Horacio do Daniel...

Logo adiante, chegamos num trecho que mais parece um trilho de trem. O ShaZam vai subindo até que o diferencial trazeiro agarra de novo no facão. Hora de usar o guincho novamente !

Na foto acima dá pra ver o quanto o diferencial trazeiro arrastou no facão. Novamente temos que fazer pelo menos 3 pontos de ancoragens diferentes, e ir trocando de ancoragem a medida que o carro avança... imagino que os ultimos jipes que passaram por aqui tinham pelo menos pneus 33"

E lá vou eu procurar mais um ponto de ancoragem no meio das arvores. Como toda região de mata atlântica, existem arvores pequenas e arbustos, e devido à grande humidade, muitas delas não tem resistência suficiente para suportar a ancoragem de um carro atolado, mesmo em se tratando dos levissimos vitaras :o)

Novamente a patroa no comando, sentando o sapatinho no acelerador... os pneus Blackstar Guyanne mandam bem e começam a limpar com o giro... este trecho de facão não deve mudar muito com chuva, pelo menos para quem tem pneus 30"...

o ShaZam começa a tomar cor de jipe novamente he he... ainda dá pra ver o diferencial trazeiro preso no facão, e neste ponto o jipe começa a desgarrar o fundo e a tração movimenta lentamente o carro adiante...

Mais adiante nos deparamos com uma profunda piscina cheia de agua. Usamos um galho para medir a profundidade da piscina, mas o galho some dentro do buraco sem alcançar o fundo ! Deve ter pelo menos 1 metro de profundidade, e para nossos veiculos ainda sem snorkel seria um desastre total... começamos a procurar um desvio...

Logo encontramos um desvio, que deve ter sido aberto provavelmente após naufragar um jipe no buraco que encontramos. Normalmente os desvios devem ser evitados, pois eles contribuem para a deterioração da trilha e são um verdadeiro atentado à natureza... neste caso, o caminho principal (do buraco) parece estar quase que definitivamente abandonado, e o desvio passou a ser a trilha principal... mas nem tudo são flores, pois o desvio está cheio de lama ! oba !

Novamente o facão prende o diferencial dianteiro... o Work 12.000 já está de prontidão, e vamos fazer um novo ponto de ancoragem... o atalho vai ficando estreito, e as arvores começam a passar perto demais do carro...

A trilha se torna um labirinto... ao atolar, nem dá para abrir a porta... vou na frente, tentando ver a profundidade do trilho para planejar os pontos de ancoragem no caso de novo "agarre" no facão... tá fuuundo !

As raizes desta arvode a direta da foto raspam bem no carro... mas vamos em frente que atrás vem gente ! Ouço no meio da mata os motores dos colegas de trilha rugindo alto para tentar avançar neste complicado atalho...

O ShaZam segue adiante arrastando uma boa quantidade de lama pela frente... 1 metro depois o facão agarra novamente, e precisamos usar o guincho... como todos estão enroscados, fica faltando zequinha para ajudar no resgate, e vou me virando como posso...

Mais adiante, temos duas alternativas para passar um belo atoleiro. O ShaZam limpa os pneus no barro e consegue passar com uma boa dificuldade, mas daqui pra frente não tem mais visual lateral da trilha he he...

O CJ Horacio vem logo atrás, e já enrosca logo no inicio. Observe a marca do ShaZam no facão !

O tempo começa a dar sinais de mudança, e ouvimos trovoadas enormes no horizonte. O sol se vai lentamente, e uma nuvem negra começa a nos cobrir na trilha... acho que vai chover !

O CJ Horacio segue apoiado pelo guincho... daqui a alguns minutos este trecho vai ficar bem alagado, pois a chuva começa a cair lentamente... no inicio é só uma garoa fina, mas há dá pra sentir que a coisa tá ficando séria

O CJ Horario aumenta a temperatura... deve ser a emoção de estar no Camel ! he he... uma pequena parada para completar a água do radiador e checar pra ver se está tudo ok. O grupo se divide em frentes de trabalho, e cada jipe vai seguindo adiante e mantendo o comboio unido. O tempo está bem quente, e em poucos minutos vc bebe um litro de água sem perceber ! As trovoadas estão aumentando !

Neste ponto da trilha, cruzamos com alguns motoqueiros que nos avisam que vem um outro comboio de jipes em sentido contrário. Como a trilha passa somente um jipe por vez, isto pode se tornar um grande problema dependendo do lugar onde a gente se encontrar. Munido de HT-PX, eu e o Furlan vamos adiante caminhando até encontrar o pessoal que está vindo em nossa direção, e combinamos o sincronismo do encontro. Na volta, a chuva começa a apertar...

Temos uma boa subida pela frente, que com a chuva começa a se tornar bem mais escorregadia do que já era... o Mak vai na frente, e logo precisamos montar um ponto de ancoragem para o guincho.

O Sebastian, nosso Zequinha-PHD, vai dando o show de bola já habitual no resgate de cada viatura... vamos subindo lentamente, pois com a ladeira escorregadia, o trabalho de ancoragem, guincho e resgate é muito dificil ! Mais tarde ficamos sabendo que este trecho da trilha é responsável por muitas capotagens e acidentes...

O ShaZam consegue subir uma boa parte somente na tração, graças ao bloqueio trazeiro. Por uma braçada minha, fico de lado e preciso de uma orientação do Sebastian para manobrar... em seguida consigo continuar e vencer a subida somente na base da tração... cool ! No finalzinho, a subida termina num atoleiro seguido de uma rampa mais ingreme, mas de poucos metros, e novamente todos tem que subir no guincho...

Quando chegamos no paredão, já está anoitecendo. O grupo que vinha em sentido contrário ainda está lá, e eles estão levando junto um Gurgel. Pela altura da subida dá pra ter uma noção da encrenca em que eles se meteram ! A trilha fica um pouco tumultuada, com motoqueiros passando, e dois grupos de jipeiros trabalhando na trilha...

A chuva vai caindo aos poucos, mas aquele temporal medonho das trovoadas não cai sobre nós. Mesmo assim, aos poucos a chuva vai enchendo os atoleiros e a brincadeira se torna cada vez melhor ! Ficamos esperando o outro grupo de jipeiros vencer a subida, para então iniciar nossa estratégia de descida.

Acho que o primeiro a descer é o Eduardo, com o Vitara Vicky, e somente então temos uma noção do problema adiante... o Vicky desce escorregando, totalmente sem controle e sem freio ! A descida está tão escorregadia que mesmo a pé não é possivel subir ou descer...

Todos fcam apreensivos, e resolvem descer os carros usando o guincho. Fico por ultimo, e vou descendo os carros usando o guincho do ShaZam. A chuva continua caindo e descida vai ficando cada vez mais escorregadia...

Quando todos acabam de descer, já está totalmente escuro...um breu total ! Chega a minha vez de descer, e como não tem ninguém para descer o ShaZam no guincho, vou ter que enfrentar a descida assim mesmo ! ai ai ai...

O Sebastian vai comigo no carro, pois acho que ele não andou de trem fantasma quando era criança. O ShaZam vai  enbicando na descida, e assim que o eixo dianteiro encaixa no facão, o carro começa a escorregar... agora não tem mais jeito... segggguuuurraaaaa !!!!!

AAAAEEEEEEEEEEEEUUUUUUEEEEEEIEIIIIIIIIIIII !!!!! UUUHHHHHUUUUU HHHHHUUUUU !!!!!!!!

O ShaZam desce pulando mais do que boi de rodeio em final de Barretos ! Dentro do carro, eu e o Sebastian só não batemos a cabeça no teto porque estamos bem presos no cinto de segurança ! Esta descida maluca me custou um belissimo amassado no estribo lateral do ShaZam... adrenalina a mil !

Quando chego lá embaixo, a galera está boquiaberta ! Minha esposa Eda não acredita no que acabou de ver ! Mas bola pra frente porque já é 8 da noite e todos queremos dormir em casa embaixo de confortáveis cobertas !

Logo após a descida, tem um belissimo atoleiro pra seguir adiante... o Mak segue nossa orientação (furada como sempre) e fica muito inclinado dentro do buraco ! Uma puxadinha daqui e dali, mais o apoio do Sebastian no guincho e seguimos adiante...

A chuva aperta novamente, e temos pela frente uma subida longa, a ultima da trilha, mas nós não sabemos disso... todos estão abatidos e cansados, e fazer a ancoragem nesta subida consumiu literalmente o ultimo volt de energia de cada um... o Sebastian continua trabalhando incansável. Pra dificultar, os pontos de ancoragem são raros, e temos que entrar bem no meio da mata para encontrar uma árvore segura...

O ShaZam fica por ultimo, e quando chega a minha vez, vejo pela frente apenas um túnel negro e muito ingreme subindo... acelero com vontade, e o jipe vai subindo a trilha, naquele estilo caranguejo do Vitara, e neste momento o bloqueio fala mais alto e consigo subir todo o percurso sem usar o guincho ! ufa !

Chegamos ao final da trilha, e todos estão exaustos, porém de alma literalmente lavada (de agua e lama) por mais esta conquista ! O Camel é uma trilha exaustiva, dificil e perigosa, e nosso grupo teve o privilégio de percorre-la sem incidentes e sem quebras mecanicas, graças ao espirito de união e colaboração que uma trilha dessas requer.

Parabens a todos !

Abraços trilheirus
Anderson Cunha e Eda